FÁBRICA DE FÓSFOROS CRUZEIRO
O imenso terreno entre os bairros de Maria da Graça e Jacarezinho foi, no final do século XIX, uma das maiores fábricas de fósforos do mundo com máquinas importadas diretamente dos EUA. A atual Fiat Lux já existia na rua dos Ourives, mas o Grande Meyer ainda tinha outra fábrica de fósforo dentre as principais, na rua Dona Eugênia Engenho de Dentro (foto 3), mas pela foto 4, tirada a partir da linha férrea, é possível ver que o padrão arquitetônico da Cruzeiro se aproximava bastante. Suas vendas aos países vizinhos tiveram propaganda feroz contra a concorrência (foto 6, Gazeta da Tarde, 27/12/1895).
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Na virada ao séc. XX 64 operárias da fábrica foram alunas da pedagoga feminista Leolinda Daltro (1865-1935), tendo ajudado a formar duas operárias da Cruzeiro professoras, e mais outras em profissões comerciais melhor remuneradas. Na foto 8 aparece n'O Malho à mesa com o presidente Hermes e a esposa Orsina da Fonseca após manifestação de seu grupo sufragista, o Partido Republicano Feminino.
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Contudo, a modernização da iluminação doméstica, e a extensão do fornecimento de gás levou a uma crise na fábrica, e na década de 10 uma de brinquedos assumiu seu lugar (foto 10 - perdão de aluguel aos inquilinos por causa da Gripe Espanhola em 1918). Em 1919, a General Electric do Brasil comprou a propriedade e a modernizou (foto 11 - perspectiva aérea da G.E. em 1920) e muita luz continuou saindo dali, só que no formato da eletricidade. Hoje, nem fósforo, nem lâmpada, nem trabalhadores. Uma disputa judicial e um enorme passivo ambiental da contaminação de água e solo que chega até a comunidade do entorno. A territorização da violência sendo causa e consequência desse abandono. Um destaque latino-americano, operário, entre os subúrbios da Central e Leopoldina, apagado. Que novas luzes apareçam para esses tempos sombrios
PARTE II
Na metade do século XIX a iluminação constante de uma rua dependia do abastecimento do óleo (azeite) das diversas baleias que habitaram um dia a Baía de Guanabara (foto 12). Pelo Engenho Novo, só em algumas casas. A segunda metade do século XIX assistiu ao crescimento populacional mais rápido que o da chegada dos lampiões a gás (foto 13). Ao anoitecer, todos se recolhiam, e o silêncio imperava entre os cantos dos pássaros. Quando a lua cheia brilhava mais o mundo, os cantos ouvidos a distância era dos seresteiros da trupe do poeta Catulo Cearense (foto 16), morador da rua Francisca Meyer da juventude até sua morte em 1946, no "veludo das noites brasileiras". Até seu aluno na Piedade, o jovem Heitor Villa-Lobos, fez "versos ao luar" aqui. Casas com luzes eram públicos de um teatro aberto, como dizem as memórias do pedagogo Paschoal Lemme, criança moradora do Méier na virada do século:
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"A época era dos lampiões a gás, e à noitinha os acendedores, com seus bastões, empurravam a portinhola colocada na parte inferior da caixa envidraçada que protegia o lampião, fazendo a luz brilhar misteriosamente para os olhos das crianças e, após o que, a batida metálica característica indicava que a portinhola voltava ao lugar normal. E aos poucos, a fileira de lampiões, de um lado e de outro da rua, brilhava, e um halo envolvia os focos de luz nas noites escuras ou esmaecia à luz das estrelas ou da lua cheia. De qualquer forma, depois do jantar, nós, os garotos, aproveitávamos a claridade, reunindo-nos junto aos lampiões, e conversávamos, brigávamos e sonhávamos"
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Em 1905 a Light iniciou as operações das linhas elétricas e barragens no interior. A transição dos bairros do Encantado/Piedade foi a primeira a ter luz elétrica em via pública, com festa, na atual praça Sgt. Eudóxio Passos (foto 17). Em 1919 a fábrica da G.E. assume a ex-fábrica Cruzeiro na rua Miguel Ângelo.